Uma reflexão sobre o sofrimento inevitável


Dimas Márcio Oliveira Trindade

Gostaria, antes de tudo, de deixar claro que o texto que se segue é apenas uma reflexão minha a respeito do sofrimento em nossa existência. O objetivo é tão somente de compartilhar esta minha reflexão pessoal, a qual foi formulada neste texto há alguns meses. E justamente por isso há afirmação do dogma cristão (a existência plena do Céu e do Inferno). Peço ao leitor para que tenha isso em mente, a fim de que não haja nenhum mal entendido, e também que não espere uma elaboração profunda ou uma "rigidez filosófica".

Para mim, a não-existência seria, sim, uma dádiva. Dádiva que nos é retirada em algum momento ( "Pelo que louvei os que já morreram, mais do que os que vivem ainda. E melhor que uns e outros é aquele que ainda não é; que não viu as más obras que se fazem debaixo do sol." -- Eclesiastes 4:2-3). A partir desse momento (quando passamos a existir, isto é, quando nascemos), somos postos diante das duas fases da existência.

A primeira é a fase do cárcere: a fase material, em que a alma, como define Sócrates/Platão, está aprisionada ao corpo.  Nesta breve e inconstante fase (na qual estamos) há, o que pode ser observado na história, uma tendência quase que natural dos justos ao intenso sofrimento. Muitas vezes a vida na terra pode ser como um inferno para aqueles que não merecem o inferno. Por outro lado, os injustos costumam cair na ilusão do dinheiro, do poder, dos prazeres e etc. Esses, sentem-se gloriosos, quando na verdade são agraciados com uma falsa e breve sorte, enquanto suas almas podem estar caminhando em direção à desgraça e infelicidade eternas ( "Pois que aproveitaria ao homem ganhar todo o mundo e perder a sua alma?" -- Marcos 8:36).

A segunda fase é a fase da Eternidade, onde a Justiça é feita permanentemente; onde a alma liberta-se do cárcere material e perecível; onde a Verdade predomina. É a fase pela qual Deus se submeteu ao sofrimento humano; o momento pelo qual toda a existência se justifica ( "Assim também vós agora, na verdade, tendes tristeza; mas outra vez vos verei, e o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém vo-la tirará." -- João 16:22).

Estando diante dessas duas fases, temos a mais importante decisão: abrir mão do mundo terrestre em vista do mundo espiritual e, voltando-se contra o mal, conhecer seu terrível e (quase) ilimitado poder, submetendo-se à dor e aos sofrimentos que torturam a nossa carne, nossa criatura animal, ou buscar o contrário de tudo isso -- poder, honra, respeito, satisfação dos desejos, mas com o preço da eternidade no mar de fogo, onde o sofrimento predomina para todo o sempre, ao som de eterno pranto e ranger de dentes.

E essa escolha é a razão do que escrevi no início deste texto, onde afirmei que não nascer é uma dádiva. A existência, para nós, seres humanos, tem um grande e inerente fardo: a escolha pelo inferno terrestre seguido do paraíso eterno ou pelo "paraíso" (notem as aspas) terrestre seguido do inferno eterno. Dessa decisão nenhum de nós escapa; ou se é quente, ou se é frio, não tem meio termo -- a Eternidade não aceita incerteza. O sofrimento é certo desde o momento em que somos gerados, nossa única escolha quanto a ele é se o mesmo virá agora ou depois. Olhando de longe (diga-se de passagem), parece ser fácil e óbvia a escolha pelo paraíso eterno. Todavia, não é bem assim. Os homens são facilmente movidos ante o prazer e o medo. Pelo fato de sermos de carne, há em nossas almas um elemento irracional, que se deixa levar pelos sentidos e pelas aparências do momento. Quando não cuidamos de nos atentar ao lado espiritual da realidade, o elemento irracional passa a dominar nossa alma, nos deixando, dessa forma, governados pelos apetites e pelo medo. Uma alma assim, irracionalizada, terá como referência de sua conduta apenas o mundo material, os seus interesses particulares, os seus impulsos naturais, tornando-se indiferente a tudo que possa ser Divino ou Eterno. Disso decorre a escolha pelo "paraíso terrestre".

Não existir é o único jeito de escapar do sofrimento. Pois, como Epicuro afirmara sobre a morte, tomando-a como a não existência, quando esta está presente, nós não estamos, logo não pode haver nenhum mal nela (eu me refiro estritamente à não existência e, diferentemente do filósofo, não acho que ela e a morte sejam sinônimos -- muito pelo contrário).

Comentários

  1. Bom texto. Entretanto, como você colocou, é um mero exercício pessoal. O aprofundamento exigiria colocar o sofrimento como consequencial e não como determinante. Também exigiria uma definição do termo "justo", posto que os eleitos e regenerados são justificados, e não justos por natureza e mérito. Neste sentido, tanto eleitos como não eleitos sofrem como consequência do pecado como natureza absolutamente corrompida. A diferença fica estabelecida pela justificação dos eleitos que podem experimentar a alegria da redenção mesmo em meio ao sofrimento, enquanto os não eleitos não a experimentam e não a experimentarão nunca.
    Abraço.

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    1. Obrigado pelo comentário, professor. Sem dúvidas é ótimo ser lido e avaliado por um homem tão culto. Agradeço-o! 👍

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  2. Belíssimo texto de reflexão! Parabéns!

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  3. Parabéns, Dimas! Ótima reflexão, Deus o abençoe!

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  4. Na minha humilde avaliação, a dor física, consequência de alguma deturpação do lado físico do corpo é inevitável, mas o sofrimento (no sentido da alma) é uma escolha"consciente" (note as aspas) que fazemos e que assumimos as suas consequências.

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    1. Grande professor Augusto! Olha, a concepção que trago no texto, é quase essa. À luz do dogma cristão, há, digamos grosso modo, metade liberdade e metade compulsoriedade. A vida, creio que o senhor compreenderá, é composta de escolhas que, em muitos caso, quando são moralmente corretas, trazem sofrimento. O próprio Cristo teve que ser crucificado, pois essa era a consequência dos atos corretos. Por outro lado, Judas, o traídor, foi recompensado com uma boa quantia em dinheiro (ignoremos o peso da consciência que veio após isso). Aqui vemos que temporariamente o bem trouxe sofrimento e o mal trouxe prazer. Nisso, o sofrimento é questão de escolha. No entanto, no cristianismo, estritamente, a prática do bem rende a salvação eterna e a prática do mal rende o castigo eterno, ou seja, o homem bom sofre em vida e é salvo após a morte, enquanto, o homem mau (provavelmente) é aliviado em vida e condenado após a morte. Tendo em mente que não há meio termo entre o bem e o mal (sim, sim, não, não), haveremos de sofrer em algum momento de nossa existência, querendo ou não.

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