Inveja do pássaro



Dimas Márcio Oliveira Trindade

Lembro de uma vez, contristado e aflito pelas condições e imposições a que estava submetido, ter me sentado no fim da tarde para olhar o céu. Aquela imensidão azul e o infinito vaguear das nuvens proporcionavam aos meus olhos enxergar além da miséria e do caos vigente.

Em um momento um pássaro corta o céu. Surgindo de repente de um lado e logo desaparecendo do outro. A imensidão acima de todos os prédios e casas pertencia a ele. Fui tomado por uma melancólica inveja — não uma inveja viciosa e destrutiva, é claro. Naquele momento, um ser humano, um ser potencialmente divino por natureza, de uma existência eterna, quis renunciar a tudo isso para se tornar um pássaro, limitado a esta breve existência temporal.

Uma lição de Platão é que quanto mais nobre é a natureza de algo, mais terrível é a sua corrupção. Uma coisa é um cão de rua que rouba o osso de outro cão. Outra coisa é um anjo que cobiça a glória de Deus. Melhor é ser um cão faminto que um anjo avarento. E é por causa semelhante que eu invejava o irracional pássaro. Sêneca questiona: "não te envergonha reservar para ti essas sobras de vida (...)?". E eu respondo: não posso me envergonhar daquilo que não fiz, mas muito me aflinge e desespera que me imponham tal situação.


O ser humano, repito, é um ser eterno. Nosso destino não é a morte, e sim a vida. O pássaro, ao contrário, tem a morte como destino. No entanto, os pássaros são livres, eles realmente vivem, enquanto nós estamos grande parte do tempo acorrentados, falecidos, sem vida. Até mesmo uma vara de porcos parece estar coroada com a vida, enquanto nós, que somos os nobres, estamos atolados no chiqueiro.

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