Sobre a mentalidade ímpia



Dimas Márcio Oliveira Trindade

O capítulo II do livro da Sabedoria na Bíblia faz uma exposição da chamada "falsa mentalidade ímpia".  Lendo-o, percebe-se que o suposto pensamento ímpio se trata a princípio de um hedonismo extremo que se apoia no niilismo, isto é, na falta de sentido e brevidade da existência. Estando o homem jogado ao acaso de uma existência curta e sem sentido, a única motivação para seus atos passa a ser o sentido corpóreo, a vontade primitiva da carne — uma vez que valores transcendentes ou metafísicos são ignorados ou tidos como inexistentes. Esse pensamento nivela a espécie humana a todas as outras espécies irracionais; deixa de ter diferença entre homens, cães ou vermes.

Mas nos parece que mesmo para muitos que têm um pensamento parecido as consequências soam temíveis e até repugnantes: se a libido ordena, o estupro se justifica; se o desejo grita, o roubo é certo; e assim para com todas as barbaridades e vícios. Esse raciocínio pode ser exposto como o que C. S. Lewis intitulou Abolição do Homem — semelhantemente ao que já afirmamos —; a chamada conduta "humana" ou "humanizada" tal como conhecemos passa a ser inadequada à realidade por não estar de acordo com a brevidade e falta de sentido da existência. Nisso a barbárie se torna sempre o melhor caminho.

Façamos também uma adendo: um exemplo dessa mentalidade é aquilo que em outro texto chamei de "lógica dos bárbaros", na qual a razão e argumentação se submetem à parte sensitiva da alma; argumenta-se com o escárnio, a  humilhação ou a violência física.

A mentalidade ímpia e bárbara tratada no texto bíblico expõe a essência muitas vezes ignorada de todo pensamento não religioso; mesmo que se negue, ela é inerente aos hedonismos extremos, ao ateísmo niilista e até ao pensamento político ideológico-revolucionário. No fundo, todo pensamento que despreza a religião legaliza a barbárie.

Por último, o final do capítulo constata a cegueira e a ignorância dos que assim pensam. Ignoram, diz o texto, a recompensa da santidade, a glorificação das almas puras, os segredos de Deus e a imortalidade da alma humana — enfim, ignoram qualquer realidade metafísica transcendente.

A conduta humana controlada, regida por princípios invioláveis e sobretudo sincera — como por exemplo a de um homem que mesmo sendo potencialmente acobertado ante a oportunidade de estuprar uma mulher ou criança ou de matar um adversário econômico, e não o faz porque julga que isso é incompatível com sua índole — só pode ser baseada em princípios metafísicos que transcendem a realidade material. E isso só a religião em geral pode nos conceder. Afinal, se Deus ou deuses não existem, assim como a moral, porque não estuprar, não matar, não roubar, tendo a certeza da impunidade ante os homens?

Comentários