A bela face de Lúcifer



Por Dimas Trindade


"Conheça a si e ao seu inimigo e, em cem batalhas, não terás medo da derrota."

(Sun Tzu)


Nossa cultura costuma cometer o grande erro de retratar o diabo sempre como feio e indigesto. O próprio nome dado ao maligno, Lúcifer, traz em seu significado uma origem de luz -- origem essa que é muito bem aproveitada e externada pelo diabo, donde surge todo o seu poder sobre nossas vidas. Isto parece sinistro? Não. É, de fato, sinistro. E muito pior do que podemos imaginar.


Fato é que ninguém pratica o Mal por si mesmo. No fundo, ninguém ama o Mal. Todo ser vivo busca um Bem como fim último, como explicam Platão, Aristóteles, Boécio e tantos outros. Quem rouba, o faz pelo Bem oriundo daquilo que roubou. Da mesma forma quem escraviza, quem suborna, quem engana ou até mesmo quem estupra ou mata. Todos os canalhas têm em mente um suposto Bem, pelo qual fundamentam suas ações e consequentemente sua existência. 


Dinheiro, prazer, poder, ideologia política, et cétera são os bezerros de ouro que justificam todo o sacrifício de sangue provocado pela humanidade desde o Éden. Mas as atrocidades da história e do cotidiano não devem ser vistas como distantes e absurdas: elas são a concretização da maldade presente em cada um de nós. Pode-se dizer que "estamos todos no mesmo barco" -- de genocidas a ladrões de canetas, todos temos um potencial maligno gigantesco, que preferimos negar por pura covardia existencial. 


Todo ser humano tem o potencial inato de servir ao diabo. E não são só maníacos e psicopatas o fazem. Numa aposta não muito arriscada, pode-se dizer que todos o fazemos em certo grau. Isto porque Lúcifer, que significa "filho da aurora", nunca se apresenta como mau por essência. 


O diabo fala a nossa língua. Ele não nos obriga a nada; eles nos seduz, a partir de desejos que todos nós temos. O Mal precisa do Bem para subsistir -- pois é de Bem que ele se veste e é o Bem, sempre, a grande promessa que o diabo nos faz. O que é um roubo, para um ladrão faminto, senão o delicioso pão que vai matar a sua fome? O que é um assassinato, para um ditador idealista, senão a forma de impedir que destruam a glória de seu país? Essas e muitas outras atrocidades são apenas calorosos beijos que costumamos dar na linda face de Lúcifer. De longe, parecem absurdos; de perto, são reflexos de nossos mais ardentes desejos.


É crucial entender isso. É crucial entender que o diabo nunca nos dá aquilo que nos embrulha o estômago, mas sim aquilo que muitas vezes nos conforta, nos empolga, nos satisfaz. O diabo nos dá o que queremos e nós retribuímos fazendo o que ele quer -- e isto é sempre algo prazeroso. O diabo nunca se apresentará como aquele bicho feio que te contaram... ele é uma figura sensual e excitante que aparece sempre no momento mais oportuno. 


Não podemos nos prender àquela imagem feia e indigesta do diabo, pois quando ele realmente aparece, pode nos parecer muita coisa -- mas certamente não parecerá feio e indigesto. 



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